NEM TE CONTO

Sobre a primeira edição do zine

A partir da elaboração de um material de prevenção às DST/Aids com adolescentes e jovens epidemiologicamente classificados como Homens que fazem Sexo com Homens – HSH e Travestis, nós do Programa Municipal de DST/Aids de Campinas (SP) relatamos os desafios identitários enfrentados para a realização de ações de prevenção junto às instituições, ONGs e movimentos sociais que atuam com esta população.

As campanhas de prevenção às DST/Aids do Programa Municipal (PM) de DST/Aids, da Secretaria de Saúde de Campinas (SP), realizadas junto ao público identificado epidemiologicamente como Homens que fazem Sexo com Homens (HSH) e Travestis, assim como com outras populações, são planejadas e executadas junto à sociedade civil organizada conforme o estabelecido no Plano de Ações e Metas (PAM), inclusive com dotação orçamentária específica e aprovada por representantes governamentais e não governamentais e pelo Conselho municipal de Saúde.


Dentre as diferentes ações de prevenção desenvolvidas nesta cidade com a população HSH e Travestis, apresentamos neste texto a experiência da criação de um “Zine” de prevenção, intitulado “Nem te Conto”, voltado para esta população adolescente e jovem, realizado pelo Núcleo de Educação e Comunicação Social (NECS) do Programa Municipal de DST/Aids de Campinas/SP.

“Zine” é uma espécie de revista de bolso, fabricada artesanalmente com recortes de jornais, revistas e outros materiais impressos. A produção deste material de prevenção, através de uma mídia reconhecida e identificada como própria do universo destes adolescentes e jovens, possibilitou-nos conhecer melhor suas experiências favorecendo a compreensão mútua de suas vulnerabilidades.

A produção deste material deu-se através da realização de oficinas com a participação de adolescentes e jovens que se auto-identificavam com práticas sexuais reconhecidas fora do universo tido como “heterossexual”. Através de dinâmicas de grupo, espaços de criação e rodas de conversas, abordamos informações sobre o HIV/Aids, diagnóstico precoce e fatores que vulnerabilizam estes jovens expondo-os a contaminação. Eles foram incentivados a utilizar no material impresso o vocabulário próprio dos espaços de sociabilidades que freqüentam, assim como ícones e personalidades com o qual se identificam.

O trabalho foi realizado por um grupo de dez adolescentes e jovens, convidados através de redes formais e informais das quais fazem parte.

Durante as oficinas que ocorreram no primeiro semestre de 2007, percebemos que eles se auto denominavam: travestis, gayrota, drag, bissexual, mona, bofe, mulher e gay. Estas identificações variavam entre os participantes conforme as situações vivenciadas ou a motivação das conversas.

Esta experiência reforçou a propriedade do uso do conceito Homens que fazem sexo com Homens (HSH) para o desenvolvimento de nossas ações de comunicação social e promoção à saúde, já que a a auto referência identitária declarada destes jovens é muito variada, tanto em relação à própria orientação sexual como em relação à identidade de gênero. Esta vivência, assim como outras em diferentes projetos, nos indicou que a categoria “gay” no sentido estrito é pouco abrangente e não considera outras formas de expressões identitárias, posto que as redes de sociabilidade destes sujeitos são maiores do que o próprio universo "gay”.

Neste contexto, o “Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de AIDS e outras DST entre Gays, HSH e Travestis” do Programa Nacional de DST/Aids, que trata da implementação da política pública de prevenção e controle das DST/Aids voltadas para estes segmentos, destaca a inserção dos jovens na epidemia e reconhece as vulnerabilidades específicas que continuam contribuindo para que estes grupos estejam mais suscetíveis à infecção, apresentado taxas de prevalência superiores às encontradas na população em geral.

No referido plano os Gays e Travestis foram destacados dos HSH, categoria mais epidemiológica do que identitária, abrindo possibilidades de construir propostas que respeitem as diferenças. Porém é preciso considerar a novidade desta discussão tanto para o setor público quanto para o movimento LGTTB e observar alguns cuidados nas propostas de políticas públicas para estes segmentos tais como:

- incluir no diálogo e na construção das propostas, HSH os que se identificam e são identificados como Punks, Giletes, Mariconas e T-Lovers, dentre outros, grupos estes freqüentemente invisibilizados e portanto vulnerabilizados, para os parâmetros tradicionais da saúde pública, fortemente calcados em referenciais epidemiológicos, mais do que em aspectos sociais e culturais que confrontam as relações nos diferentes contextos em que essas populações atuam;

- atentar para que a multiplicidade dos processos de travestilidades não sejam homogeneizados sob a categoria “Travestis”;

- lembrar que o destaque da categoria travesti da HSH constitui um avanço porque reconhece as reivindicações de gênero desta população, porém do vista epidemiológico continuam classificadas como HSH ou homo dificultando o acesso às vulnerabilidades desta categoria identitária;

- criar agenciamentos para HSH mais vinculados às práticas sexuais do que às identidades políticas, considerando que esta população não se enuncia como uma categoria identitária.
A produção deste material e a sua continuidade nos trouxe alguns desafios, além dos já acima apresentados:

- a necessidade de buscarmos olhares menos normativos para discutir a experiência da sexualidade de HSH e Travestis entre adolescentes e jovens;

- abrir a possibilidade de participação das amigas destes adolescentes e jovens, mulheres lésbicas e heterossexuais, considerando o forte vínculo que possuem entre si;

- tornar o zine um dispositivo que contribua para o questionamento das tentativas de aprisionamento identitário;

- produzir um material que avance na problematização das vulnerabilidades individuais e coletivas, promovendo a saúde de forma integral;
Neste trabalho procuramos possibilitar a constituição de um espaço criativo garantindo a liberdade de cada um manifestar suas singularidades, incorporando-as no material. “Nem te conto” é uma expressão que alude a revelação de um segredo ou a uma informação significativa para o grupo.

Mais informações sobre este projeto, procurar Tiago Duque (técnico) ou Equipe Necs, de 2ª a 6ª, das 9h às 17h, diretaramente através do telefone (19) 3234 - 4995, e-mail necs_dst_aids@yahoo.com.br ou deixar recado no Centro de Referência do Programa Municipal de DST/Aids de Casmpinas, (19) 3234 - 5000 - Rua Regente Feijó, 637, Centro - Campinas, e-mail saude.aids@campinas.sp.gov.br .Clique aqui e volte à página inicial do Programa Municipal de DST/Aids de Campinas